quinta-feira, 23 de setembro de 2010

AUTOCONHECIMENTO - SWAMI DAYANANDA SARASWATI




Então, o que eu sou? Em termo de realidade sou um mortal? Serei as células que constituem meu corpo físico? Serei meus pensamentos ou serei mais? Este assunto está sujeito a um questionamento.

Exatidão em termo de um conhecimento bem-estabelecido a respeito de mim mesmo não ocorre sem que eu analise e negue aquilo que não sou. Devo ser capaz de negar todas as noções que tenho mantido acerca de mim mesmo e claramente ver o que sou. Aqui não estamos falando sobre uma exatidão de convicção ou determinação, falamos sobre o autoconhecimento, jnanam , que pressupõe muita analise.



Queremos ser o total e acontece que somos o tal. É por isso que não podemos aceitar nada menos do que isso.



Os prefixos upa e ni referem-se a um conhecimento bem-estabelecido sobre aquilo que é o mais próximo: atma. Este conhecimento é o que significa autoconhecimento. No despertar deste conhecimento, tudo o que é indesejável, todo sofrimento é desgastado e destruído.

Agora a questão é se esses sentimentos indesejáveis poderão retornar. Posso destruir o sofrimento temporariamente indo dormir, mas ao despertar, a tristeza retorna. Não é essa desintegração semelhante ao corte de uma árvore? A árvore é cortada, mas se suas raízes não forem arrancadas, o que originou a arvore permanecerá, tornando possível o seu retorno. O que veio uma vez pode voltar. Assim como as dores de cabeça e a fome: nós as removemos, mas elas voltam. Da mesma forma, os sofrimentos que são temporariamente resolvidos podem retornar.

Se o autoconhecimento remove o sofrimento apenas temporariamente, não é a ultima resposta para acabar com o sofrimento humano. Este problema é tratado pelo segundo significado da raiz sad: destruindo ou arrancando totalmente. Assim como uma arvore deve ser arrancada com sua raiz para ser eliminada permanentemente, o conhecimento definitivo do Ser destrói o sofrimento juntamente com sua causa, de modo que não aja possibilidade de ele retornar. Como o autoconhecimento destrói todo sofrimento, a causa só pode ser a auto-ignorância – ajnanam.



Extrído do “As Upanishads e o autoconhecimento”

Vidya – Mandir Editorial - 1998


















segunda-feira, 20 de setembro de 2010

PRIMAVERA


foto:Fred Matos
Primavera

Kalidasa (Tradução: Maurice Wright)

Grinaldas húmidas pela essência do sândalo

Repousam sobre os belos seios das donzelas,

E bétel sopram os seus lábios.

À volta das suas ancas cintilam as faixas das cinturas -

Elas caminham sem receio ao encontro do deus do amor,

Em direcção à felicidade há tanto tempo desejada.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

RADHARANI - O LADO FEMININO DE DEUS


Do site Krsna.com


Radharani – O Lado Feminino de Deus



Radharani – The Feminine Side of God



por Satyaraja Dasa



A compreensão Vaisnava da Verdade Suprema fornece uma resposta satisfatória para a pergunta “Deus é masculino ou feminino?”.



Essência da beleza e da relação,



Quintessência da compaixão e bem-aventurança,



Corporificação da doçura e do brilho,



Epítome da arte, da graciosidade no amor:



Que minha mente se refugie em Radha,



A quintessência de todas as essências.



—Prabodhananda Sarasvati



Minha irmã Carol se tornou uma feminista radical nos últimos anos. Eu acompanhei seu desenvolvimento. Depois de ter devorado um livro após o outro sobre patriarcalismo e sociedades construídas por machista, ela veio me procurar – seu irmão, que adora um Deus “masculino” –, vítima de filósofos sexistas, ludibriado por homens sem consideração pelas mulheres. Em outras palavras, ela sabia que eu adorava Krsna, que é claramente masculino, e isto era suficiente para ela me colocar em pé de igualdade com aqueles que diminuem as mulheres. Ela ficou um pouco confusa, todavia, quando viu que eu não a contra-ataquei como machista, e, apesar de minha adoração a um Deus masculino, eu não diminuía as mulheres. Ela se deu conta que eu era lúcido de mais para ser confrontado diretamente.



“Por que você adora aquele garoto azul Krsna?”, ela perguntou. “Por que você não imagina Deus como masculino? Por que não imaginar Deus como feminino?”.



“Bom”, eu respondi rápido e irritado, como se uma conversa de dois minutos pudesses resumir a perspectiva teológica de uma pessoa, “Ele é Deus”. “E além do mais”, eu adicionei, “nós não imaginamos Deus como queremos. Aprendemos sobre Ele a partir das fontes autorizadas, as escrituras, sejam os Vedas, da Índia, ou escrituras ocidentais, como a Bíblia e o Corão”.



“Como você pode saber?”, ela perguntou. “Talvez esses livros estejam enrolando você. Eu diria que Deus teria de ser a mulher suprema, com toda a sensibilidade e elegância que isso implica”.



“Mas isso não é sexismo, apenas vindo da direção oposta?”



Eu esperei que aquela pergunta a fizesse pensar duas vezes.



“Se, por fim, Deus fosse a mulher suprema, isso não deixaria o homem fora da equação? Não se estaria dizendo que a forma da mulher é melhor do que a forma do homem? Você seria culpada por aquilo que você culpa a religião patriarcal”.



Depois de uma pausa, ela retrucou: “Mas você continua dizendo que Deus é homem...”.



“Primeiramente”, eu a interrompi, “de acordo com a consciência de Krsna, Deus é tanto masculino quanto feminino. Não é uma visão mais igualitária de Deus?”.



“Bom, talvez – se for verdade”, ela disse ainda descrente de uma tradição (e de um irmão) que ela havia se treinado para ver como sexista.



“Veja bem”, eu disse, “Krsna é descrito como Deus na literatura Védica porque Ele tem todas as qualificações de Deus. Por que você sabe que o Presidente dos Estados Unidos é o Presidente? Porque ele tem as qualificações do Presidente. Ele tem certas credenciais. Não é que você possa simplesmente “imaginar” que alguém é o presidente e então – puf! – ali está o presidente. Não. Assim, se você estudar Krsna seriamente, você verá que Ele possui todas as opulências: força, beleza, riqueza, fama, conhecimento e renúncia. Qualquer um que tenha todas as essas qualidades em plenitude é Deus”.



Ela estava ficando agitada. Ela já me ouvira falar aquela definição de Deus e pensou que eu estava fugindo do assunto de Deus ser feminino.



“Mas a consciência de Krsna vai além”, eu continuei. “Radharani é a manifestação feminina de Deus. Ela é a mulher suprema. Então, vemos Deus tanto como masculino quanto como feminino”.



A Carol sorriu. Ela tinha uma carta atrás da manga.



“Se vocês reconhecem que Deus é tanto masculino quanto feminino, por que o principal mantra de vocês – aquela oração que você canta o tempo todo – é focado em Krsna, o aspecto masculino de Deus?”.



O “Ela” do Maha-mantra



O que minha cara irmã não sabia era que o maha-mantra é uma oração primeiro a Radha, e depois a Krsna.



“Você conhece o mantra que eu canto, sobre o qual você está falando?”



Ela o recitou: “Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna Krsna, Hare Hare / Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare”.



Eu fiquei feliz em ver que ela sabia o mantra.



“Você sabe o que significa Hare?”.



“Não”, ela admitiu.



“É uma forte súplica a Radha. Por ‘Hare’, nós nos referimos à Mãe Hara, outro nome de Radha, de forma suplicante. Hare é a forma vocativa de Hara. Basicamente, o mantra está pedindo à Mãe Hara, Radha, que ‘por favor, ocupe-me no serviço ao Senhor’.”



“Quer dizer que o cantar de Hare Krsna é uma oração à forma feminina de Deus?”.



“Perfeito”.



Aquilo chamou sua atenção.



“Diga-me uma coisa”, ela disse com sua crescente curiosidade, “o que significa a palavra Radha?”.



“Significa ‘aquela que melhor adora Krsna’.”



“Aha!”, minha irmã disse com o dedo indicador em riste. “Então Radha não é Deus. Se Ela é a melhor adoradora de Krsna, ela é obrigatoriamente distinta dEle!”.



“Isso não é verdade”, eu disse. “Deus é a pessoa que faz tudo melhor. Como Krsna diz no Gita, Ele é o primeiro e o melhor em todos os campos. Das montanhas, Ele é o Himalaia; dos corpos d’água, Ele é o oceano, e assim por diante. Então, dos adoradores dEle, Ele também é o melhor [a melhor]. Quem poderia adorar Krsna melhor do que Ele mesmo? Ninguém. Dessa maneira, Ele se manifesta como Radha, Sua forma feminina, e mostra que Ele é Seu melhor adorador. Como Radha, Ele é o Deus adorador; e como Krsna, Ele é o Deus adorado. Ambos igualmente excelentes”.



“Hmm. Fale-me mais”, ela disse.



“Tudo bem, mas pode ficar um pouco técnico”, eu disse. “Do ponto de vista Vaisnava, ou da consciência de Krsna, a energia feminina divina (shakti) implica uma fonte de energia divina (shaktiman). Assim, quando a deusa se manifesta nas várias tradições Vaisnavas, ela sempre tem uma contraparte masculina. Sita se relaciona com Rama; Laksmi corresponde a Narayana; Radha com Krsna. Uma vez que Krsna é a origem de todas as manifestações de Deus, Sri Radha, Sua consorte, é a fonte de todas as shaktis, ou energias. Ela é, portanto, a Deusa original”.



“O Vaisnavismo pode ser visto como uma espécie de Shaktismo, no qual a purna-shakti, a mais completa forma da energia feminina divina, é adorada como o aspecto mais proeminente da divindade, até mesmo eclipsando o Supremo masculino em alguns aspectos. No Sri-Vaisnavismo, por exemplo, Laksmi (uma expansão primária de Sri Radha) é considerada a divina mediatriz, sem a qual o acesso a Narayana não é possível. Em nossa tradição da consciência de Krsna, Radha é aceita como a Deusa Suprema porque Ela controla Krsna com Seu amor. Vida espiritual perfeita só é obtenível por Sua graça”.



“Na tradicional literatura Vaisnava, Krsna é comparado ao sol e Radha ao brilho solar. Ambos existem simultaneamente, mas um vem do outro. Ainda assim, dizer que o sol existe antes do brilho solar é incorreto – tão logo existe sol, existe brilho solar. E o mais importante: o sol não tem significado sem brilho solar, sem calor e luz. E calor e luz não existiriam sem o sol. O sol e o brilho solar, portanto, coexistem, um igualmente importante para a existência do outro. Pode-se dizer, então, que eles são simultaneamente unos e distintos. Eles são, em essência, uma única entidade – Deus – que se manifesta como dois indivíduos distintos com o objetivo de se relacionarem interpessoalmente.



“Deixe-me ler algo sobre isso para você do Caitanya-caritamrta [Adi-lila 4.95-98]: ‘O Senhor Krsna encanta o mundo, mas Sri Radha encanta até mesmo Krsna. Assim, Ela é Deusa suprema de tudo. Os dois não são diferentes, como evidenciam as escrituras reveladas. E, ao mesmo tempo, eles são unos, assim como o almíscar e sua essência são inseparáveis, ou como o fogo e seu calor não são diferentes. Enfim, Radha e Krsna são um, embora Eles tenham aceitado duas formas para desfrutarem de um relacionamento”.



“Mas Krsna continua sendo a fonte. Ele é predominante”.



“Apenas em um sentido”, eu disse. “Em termos de tattva, ou ‘verdade filosófica’, Ele é predominante. Mas em termos de lila, ou ‘divinas atividades amorosas’, Radha predomina sobre Ele. E lila é considerado mais importante do que tattva”.



Carol estava deslumbrada.



“Eu não tinha a menor idéia disso tudo”, ela disse.



“Poucas pessoas têm”, eu disse a ela. “É por isso que os devotos trabalham duro na distribuição dos livros de Prabhupada – queremos que este conhecimento seja de todos”.



Carol me prometeu que iria começar a experimentar o maha-mantra e que nunca mais iria julgar prematuramente uma religião, especialmente a consciência de Krsna. Também me pediu por uma oração que se focasse na posição suprema de Radharani, algo que ela pudesse cantar para se lembrar que a consciência de Krsna reconhece – até mesmo enfatiza – uma forma feminina de Deus. Eu pensei por um instante e, então, compartilhei com ela um mantra composto por Bhaktivinoda Thakura, um grande mestre espiritual do começo do século XX:



atapa-rakita suraja nahi jani

radha-virahita krishna nahi mani



“Assim como não há tal coisa como sol sem calor e luz, eu não aceito um Krsna que está sem Sri Radha!” (Gitavali, Radhashtaka 8)



Carol estava deslumbrada. Ela me revelou em confidência que há muito orava por uma tradição religiosa que não fosse sexista, que reconhecesse uma forma feminina do Divino. É claro que ela não estava plenamente convencida que Radha era essa religião, mas ela já estava, agora, desejosa de ouvir, já se abrira um pouco à consciência de Krsna. Ela estava inclinada a começar com as práticas de base, como o cantar e a leitura dos livros de Srila Prabhupada. Ali estava uma tradição que finalmente parecia atender a sua demanda, que satisfaria suas necessidades feministas. Radharani era o sonho da minha irmã que se tornava realidade – a resposta a uma prece feminista.



A Melhor das Gopis



Sri Radha é, dentre todas as gopis – vaqueiras namoradas do Senhor Krsna – a original. Ela é capaz de comprazer a Krsna com apenas um olhar de relance. Ainda assim, Radha sente que Seu amor por Krsna pode se tornar sempre mais grandioso, portanto Ela se manifesta como as diversas gopis de Vrndavana, que satisfazem o desejo de Krsna por relacionamentos ricos em variedade (rasa).



As gopis são consideradas o kaya-vyuha de Sri Radha. Não existe uma palavra em inglês [ou em português] equivalente a este termo, mas ele pode ser explicado da seguinte maneira: Se uma pessoa pudesse existir simultaneamente em mais de uma forma humana, aquelas formas seriam chamadas o kaya (“corpo”) vyuha (“multiplicidade de”) daquele determinado indivíduo. Em outras palavras, é a mesma pessoa, mas ocupando diferentes espaços e tempos com diferentes humores e emoções. Como a única razão da existência de Radha e Krsna é a troca de sentimentos amorosos, as gopis existem para auxiliá-lOs nesse amor.



As gopis são divididas em cinco grupos, o mais importante sendo o parama-preshtha-sakhis, as oito gopis primárias: Lalita, Vishakha, Citra, Indulekha, Campakalata, Tungavidya, Rangadevi e Sudevi. Muitos detalhes de suas vidas e serviço – incluindo a idade, o humor, o aniversário, temperamento, instrumento, cor da pele, nome dos parentes, nome do cônjuge, melodia favorita, melhores amigas, e outras informações de cada uma delas – são descritos nas escrituras Vaisnavas. Esses elementos formam a substância de uma meditação interna, ou sadhana, projetada de forma a levar o devoto para o reino espiritual. Através desta meditação, gradualmente se desenvolve prema, amor por Krsna. Essa forma avançada de contemplação, todavia, deve ser feita apenas por devotos avançados sob a guia de um mestre autêntico. Tal nível é raramente alcançado. É, portanto, recomendado que se pratique o cantar do santo nome e que se aceite o caminho regulado de vaidhi-bhakti – ou a prática da devoção sob estritas regras e regulações – como é ensinado no movimento para a consciência de Krsna. Assim se alcançará naturalmente o nível mais elevado de consciência espiritual.



A tradição Vaisnava na linha do Senhor Caitanya vê, claramente, o amor das gopis como amor transcendental da mais alta estirpe, retaliando acusações de sexualidade mundana com claras definições distinguindo luxúria e amor. Assim como o conceito da Noiva-de-Cristo na tradição cristã e o conceito cabalístico do Divino Feminino do misticismo Judaico, a verdade por trás do amor das gopis é de profunda natureza teológica e constitui o zênite da compreensão espiritual. O amor das gopis representa o amor mais puro que uma alma pode ter por sua origem divina; a única relação que tal amor talvez tenha com a luxúria mundana é a aparência, aparência esta que é desfeita tão logo se estude os livros deixados pelas autoridades puras e auto-realizadas acerca destes tópicos tão queridos ao coração.







Tradução por Bhagavan dasa (DvS)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

UM JARRO É PURO BARRA



                              Fiorucci - Matrimonio-http://www.artepropio.ar.vc/


 

Um jarro é puro barro.
Na ausência do barro, não há jarro.
Todos os objetos são pura consciência.
Se a consciência não é, nada se vê.

Yoga Vasishtha.
Extrído do http://www.yoga.pro.br/

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

ENTREVISTA COM O LAMA PADMA SAMTEN NO JORNAL "A TARDE"


No dia 1º de novembro o Lama Padma Samten concedeu uma entrevista à revista Muito, seção Abre Aspas, do Jornal A Tarde, de Salvador.


O Lama comentou sobre diversos temas, principalmente falou sobre sua vida pessoal, sobre sua relação com a física e sobre o budismo no Brasil.

Lei a entrevista completa:

“A sala de reuniões do pequeno apart-hotel da Barra estava cheia, apesar do solzão que fazia lá fora, naquele sábado típico de outubro em Salvador. Em torno de um altar, um grupo de pessoas recebia ensinamentos do primeiro sacerdote budista brasileiro. Gaúcho de Porto Alegre, Alfredo Aveline, 60, há 13 foi ordenado lama da linhagem Ningmapa por seu mestre, Chagdud Tulku Rinpoche, de quem recebeu o nome Padma Samten, que significa algo como Meditação do Lótus.

O lama nos recebeu no intervalo de almoço, ainda usando a tchuba vermelho-ruby, cor que no budismo simboliza a compaixão. “Queres respostas longas ou curtas?”, pergunta sorrindo, demonstrando intimidade com o processo. Convidado pela Rede Globo e pelo Canal Futura para participar do programa Sagrado, Padma Samten vem ganhando visibilidade na mídia graças à gestão atuante no Centro de Estudos Budistas Bodisatva (Cebb), sediado em Viamão (RS), e representado em 30 cidades no Brasil, Uruguai e Canadá.

Mestre em física quântica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde ensinou por 25 anos, ativista ambiental e ferrenho militante contra a instalação de energia nuclear no Brasil, ele largou tudo para seguir seu mestre. Mas voltou. O budismo tornara o ambientalista destemido e o cientista “limitado” um homem mais inteiro.

Como o senhor chegou ao budismo?

Quando adolescente, tive um contato com a ioga e, mais adiante, através de um amigo, encontrei o budismo, mas dentro da perspectiva do caminho do ouvinte, que vai narrar sobre o sofrimento como se o sofrimento fosse o móvel principal para nós seguirmos o caminho espiritual. Então, isso não me interessou muito.

Por quê?

Achei que as noções do apego e do sofrimento eram importantes, porém menos relevantes do que aquilo que me conectava com o caminho espiritual. Era como se eu já tivesse um caminho espiritual com várias leituras, principalmente da ioga. Dentro disso, eu estava olhando uma motivação mais elevada, de encontrar a natureza primordial, de encontrar a compreensão da realidade, as coisas transcendentes, logo, ultrapassar o sofrimento me parecia uma coisa muito terrena e eu buscava uma espiritualidade mais mística.


Depois, tive um contato com o hinduísmo e fiz uma compreensão interna do Baghavad-Gita, através da qual vi uma descrição do próprio processo de operação da mente e achei aquilo muito interessante. Mais adiante, percebi que não havia ali métodos de investigar mais profundamente esse mundo interno. Foi quando entrei em contato com alguns textos budistas, essencialmente o Surangama Sutra, que examina a operação da mente, então aquilo me tocou muito. Pensei que deveria estudar prioritariamente esse tema e que os demais temas de minha vida ganhariam muito significado se eu pudesse entender melhor como a mente opera.

O senhor mergulhou nisso?

Sim. Foi um período em que fiquei dois anos distante do meu trabalho. Pedi licença da universidade. Essa saída vinha dentro da perspectiva ecológica, quando resolvi morar em uma comunidade. Eu queria experimentar esses valores da ecologia e da vida comunitária. Saí da universidade, pensando que não voltaria, mas retornei dois anos depois. O que o fez voltar? Em parte, a ciência me interessava também. Fiquei mais dez anos na universidade.

Como um mestre em física quântica processou os ensinamentos do budismo?

O budismo é muito hábil porque introduz o exame detalhado do mundo interno do cientista como um tema relevante da própria ação de fazer ciência. Esse mundo interno do cientista, por um lado, é o que lhe permite pensar e criar, mas, por outro lado, termina por criar um ambiente onde o cientista só consegue ver algumas coisas. Limita a visão.

Houve uma complementação. Com certeza. Também os cientistas estão presos àquilo que no budismo é chamado de ignorância. Eles só conseguem ver através do filtro de suas próprias teorias vigentes. O que eles pensam que sabem, e se apegam, dificulta a visão do novo, daquilo que eles ainda não veem.


Olhando para si, no passado, o senhor se consideraria um físico ignorante?

Com certeza. Como um cientista que tinha uma limitação de visão. Uma limitação que vem das próprias teorias. Essa compreensão crítica está na própria física quântica. Só que sem um aprofundamento. O budismo foi impactante em sua vida? Minha vida se tornou muito diferente. Eu era um funcionário da universidade, um professor, mas, mesmo antes do budismo, um professor não muito semelhante aos outros.

Como assim?

Eu me engajei ativamente em coisas que na época (anos 70) eram pouco divulgadas, como energia solar. Fui um dos criadores do grupo de energia solar da UFRS. E fui uma das pessoas que escreveu o primeiro texto acadêmico contra a instalação de energia nuclear no Brasil. Tornei-me atuante na Sociedade Brasileira de Física e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência na questão ambiental e nuclear.


Era jovem nessa época, tinha 25 anos. Então, seus anseios ambientais também encontraram ressonância no budismo? Percebi que os problemas ambientais eram motivados pelos aspectos psicológicos das pessoas e não por aspectos externos ou técnicos que obrigassem à destruição da natureza e uso de tecnologias agressivas.

Qual sua visão do planeta e dessa humanidade que chegou ao século 21?

De uma forma intuitiva, eu diria que estamos vivendo desafios como nunca vivemos, mas, por outro lado, o número de pessoas lúcidas capazes de fazer transformações é muito grande. Hoje, acredito que não precisamos convencer as pessoas a serem ecologistas. Elas já estão sabendo disso. A questão é que consigam dar o testemunho em suas vidas.

Em suas palestras, o senhor faz um link entre os ensinamentos do Buda e temas cotidianos. Esta também é a proposta do programa Sagrado. Como o senhor reagiu ao convite da Globo? O budismo está se popularizando?

Acredito que sim. Fiquei feliz, porque entre as várias tradições religiosas no Brasil agora também se conecta o budismo. Eles chamaram os católicos, os islâmicos, os evangélicos, os judeus, os das tradições africanas e também os budistas. Eles nos convidam a falar sobre temas do cotidiano e não propriamente sobre religião. Falo como o budismo vê a violência nas cidades e a solidariedade. São temas humanos.

E os temas das palestras do Cebb?

Temos uma estrutura de ensinamentos que é gerada pelo próprio Buda. O Cebb transforma isso em alguma coisa que as pessoas entendam em suas vidas. Acho que essa é a razão do sucesso do centro. Os temas são colocados dentro das circunstâncias desafiadoras da vida.

O senhor planejou se tornar um lama?

Não planejei. Foi decisão do meu mestre, e ele não me consultou. Simplesmente me ordenou lama.

Foi um comunicado?

Rinpoche me chamou por telefone e disse: ‘Vou ordená-lo lama’. Um ano antes, Chagdud Khadro, esposa dele, me disse que iria me dar uma ordenação, mas eu não tinha a menor ideia do que iria ser. Não tinha nenhuma aspiração, mas minha ação, de certo modo, já representava isso. Hoje, quando vejo o que fazia (dirigia grupos, viajava para levar os ensinamentos a diferentes lugares), acho que me portava como propagador dos ensinamentos.

O senhor é o primeiro lama ordenado no Brasil?

Na verdade, o primeiro lama brasileiro ou o primeiro lama gaúcho (risos). Não sei se algum brasileiro havia sido ordenado antes, mas, quanto à ordenação dos lamas, nenhum tinha sido ordenado no Brasil.

Um homem em sua busca espiritual é motivo de envaidecimento?

Para mim foi motivo de preocupação. Porque eu não me achava capaz de ser um lama, não via as qualidades em mim, não me via à altura de expectativas tão elevadas, e isso me trouxe uma preocupação adicional. Eu gostava de chegar aos lugares sem ter que usar esta roupa (a thuba) nem precisar representar uma tradição.

Eu gostava de falar dos valores espirituais sem a necessidade de introduzir um aspecto confessional. Para mim, foi um desafio a mais chegar a cada lugar e me manifestar desse modo. Entendi isso como um ensinamento do meu mestre, uma manifestação forte, um desafio que me conduziria a crescer sempre mais e a trazer benefícios aos outros seres. Senti o peso, mas confiei na visão do mestre.

Como o senhor reagiu à ordenação?

Eu simplesmente segui. Fui procurando como entender melhor e como trazer benefício para as pessoas; estudar melhor; entender melhor a mente do meu mestre para que eu pudesse trazer benefícios de uma forma mais apropriada.

Como é a rotina de um lama?

Quando estou no período de retiro, que considero um período muito mágico, muito maravilhoso, então a rotina é a seguinte: a primeira prática começa às 4h30, então levantamos todos (eu e os alunos) um pouco antes. Isso segue até as 8h. Depois, uma hora de prática de ioga, e seguem ensinamentos até o meio-dia. À tarde, minha prática individual até 17h, depois mais atividade física. À noite, novo encontro com o grupo.

E num dia comum sem agenda?

Não tenho um dia sem agenda. Até 31 de dezembro, 12 atividades em cinco Estados do País… Tenho conduzido grupos pelo skype também. Um em Montevidéu, outro no Canadá. Utilizo os meios eletrônicos para dirigir as atividades deles. Às vezes estou realizando atividades em uma cidade e, através da internet, conduzo outras.

E sua vida pessoal?

Minha vida pessoal é minha atividade do Darma. Me alegro muito em estar em meio aos grupos e os vejo como uma ampla família que cuido da forma mais detalhada e próxima possível. Apenas lastimo não poder cuidá-los melhor.

O seu lazer é igual ao de todo mundo? Vai ao cinema, à praia, futebol?

Meu lazer diz respeito à busca de preservar a saúde. Incluo a prática de atividade física e ioga como os pontos principais, ainda que não faça na forma como seria verdadeiramente necessário. Tenho procurado usar a bicicleta sempre que possível para me movimentar.

E a vida familiar? O senhor já se casou algumas vezes. Quantos filhos tem?

A intensidade da vida, as etapas bem marcadas por mudanças estruturais, a ação pública e a ampla disponibilidade trazem desafios constantes às relações familiares. Foram três casamentos anteriores e o atual tem nove anos. Destas relações nasceram cinco filhos.
Eles o seguiram no budismo?

A mais velha se interessou por ecologia; o segundo é advogado e se tornou um dos dirigentes do Cebb e do Instituto Caminho do Meio. Tenho ainda uma filha de 16 que tem uma compreensão do Darma do Buda. Acho que os dois menores não têm como escapar (risos): o de 3 anos já estuda em escola budista e faz ioga. Tenho ainda três netos. Todos lindos e luminosos!


Qual sua aspiração?

Com relação a quê?

A tudo, a todos.

Se as pessoas se derem conta da realidade como efetivamente é, então agirão de forma positiva, e o mundo e as circunstâncias serão muito favoráveis. Às grandes empresas e aos gestores que me convidam, eu tenho dito: “Acorde, o tempo agora mudou. Houve uma época em que destruir a natureza e maltratar as pessoas dava lucro. Esse tempo agora passou. É hora de vocês se ajustarem à visão de mundo que hoje está na aspiração da mente de todas as pessoas, que é a visão que aspira a paz e o equilíbrio do ambiente”.

As pessoas individualmente e as organizações precisarão ajustar sua visão e ação. Estamos num tempo em que o céu está se movendo. Todos precisarão adotar valores positivos. Uma grande parcela das pessoas acordou neste tempo da informação ampla e redes de ação e de relações. Os valores negativos não estão mais produzindo resultados como antes. Mesmo os que se definem como competitivos, descrentes e maldosos estão sendo pressionados a redefinir sua imagem pública e sua ação. Minha aspiração é o reconhecimento amplo da realidade da terra pura, da cultura de paz.”